O ABAJUR VERDE
Tirante o anel de mamãe, era o abajur verde que achávamos a nossa mais luminosa jóia. Base e haste metálicas, sua cúpula viridiana, quando aceso, transluzia arrebatamento.
Chegara em nossa casa pelas mãos de papai num início mágico de noite, nos meados dos anos cinquenta, na companhia do porta-jóias, da cortina de plástico com uns motivos pinheirais, de meu velocípede, duns quadrinhos de gesso para se pendurar na parede, y de algunas otras cositas más, inclusive maçãs argentinas, perfumadas no seu envoltório de papel manteiga.
Devia ser uma ocasião próxima do natal para papai haver cometido tanta lojice em Belo Horizonte. O que me lembro bem é que não chovia então, senão aquelas lasquinhas fininhas de madeira que acondicionavam, num caixote, todo aquele primoroso mimoseio.
Duas tias paternas presentes advertiam a garotada para manusear tudo com todo cuidado e o abajour se viu então prima-donna de salão, se não passando de mão em mão, objeto de quase veneração.
Para acendê-lo bastava enfiar a tomada num benjamim e dar um clic no pininho branco que se encontrava em sua base. Et fiat lux! Tavaceso aquele mundo esverdeado antes até que o Hulk cogitasse de ser inventado.
Seu lugar já estava definido: iria jazer no quarto de nossos pais, do lado de mamãe, sobre o criado, mudo o coitado, e que até então, só urinol havia guardado. E, que agonia, sua estupefação diante da nova função nem vocalizar podia. Mas a sentia, no seu brilho de peroba, se havia, se a via.
E foi uns poucos anos depois que, sob essa mesma bruxuleante luminescência ousei apresentar meu boletim escolar a mamãe, que, mesmo amamentando o mano Nacho, ainda bebê, passou-me um sonoro esculacho por causa de um 5,6 que lá ainda se vê. Amaldiçoei a luminosidade daquela peça, à qual, embora tão frágil, roguei praga dum naufrágio. Que não ocorreu, mas ágio continuo pagando eu.