Maria Ribeiro Pires, cadeira 38 - Patrono Geraldo Teixeira da Costa
Palestra proferida na Arcádia de Minas Gerais em 08/05/2019 sobre a história de três grandes escritores epilépticos. Escreveram bem e deixaram seus nomes na literatura. Venceram. São dois brasileiros e um francês.
A epilepsia é uma doença historicamente antiga. No Egito -Grécia e Roma - era considerada como uma dádiva dos deuses a determinados homens e seus sintomas eram conhecidos e respeitados. Já na Idade Média a abordagem era outra. O epiléptico era tido como um endemoniado ou louco. O próprio Lutero em sua briga com a Igreja Católica desejava-lhe tudo de mau como sífilis, epilepsia, lepra e outras pragas. Hipócrates e logo mais Galeno já consideravam que a doença tinha relação com problemas cerebrais.
No Brasil não havia médicos. Atendiam aos doentes as parteiras, os barbeiros, benzedeiros ou feiticeiros. Só depois da chegada da família real, começaram a ser criadas as faculdades de Medicina em Salvador e no Rio de Janeiro. Um livro de sucesso conhecido como “Chernoviz” ajudou muito a população. Foi escrito pelo médico polonês Pedro Luiz Chernoviz. Este médico esteve em Paris e depois veio para o Brasil. Foi um verdadeiro sucesso o seu livro. Por toda parte o livro era procurado e consultado para fazer o diagnóstico de qualquer doença. Modernamente, a epilepsia é tradada por neurologistas, psiquiatras e sua cura ainda depende de muita pesquisa pois cada caso é um caso isolado.
Segundo Mateus, no Evangelho, um pai levou o filho a Jesus pedindo a cura do rapaz. Os sintomas eram tonteiras que o faziam se atirar ao fogo a tempo de se queimar ou cair na água com o perigo de se afogar. O pai narra que levou o rapaz aos discípulos, mas eles nada puderam fazer. Afirmaram que o jovem estava sob o domínio de demônios. Jesus aproxima-se , vê o jovem, cura-o e o devolve ao pai. Os discípulos querem saber do Mestre porque eles não tinham curado o moço. Falta de fé, diz Jesus, pois se tivessem a fé do tamanho de um grão de mostrada poderiam mandar um monte sair de um lugar e ir a outro e seriam obedecidos, pois para Deus nada e impossível.
Vamos estudar os escritores epiléticos.
Mario de Alencar era filho do grande José de Alencar, o indianista que nos deu a maravilhosa história de Ceci e Peri. Mário de Alencar escreveu poemas, contos e um livro que não chegou a ser publicado. Foi eleito para a recém fundada Academia Brasileira de Letras na vaga de José do Patrocínio. Houve naturalmente a comemoração em sua casa, com taças de Champanhe, na participação da vitória por amigos e familiares. A alegria durou pouco. A reação dos que não aceitavam a sua eleição era evidente. Muitos entendiam que não fora merecida a sua eleição, apesar dos méritos que eram dados e reconhecidos a seu pai José de Alencar. No dia seguinte os jornais traziam notícias desastrosas. Comentavam que o Jovem não tinha as necessárias aptidões para ser membro da Academia e que só a amizade de Machado de Assis explicava a sua participação entre os imortais. Foi esta a causa da primeira crise de epilepsia de Mário de Alencar. Sentia-se tonto com vômitos, mal-estar e só a amizade com Machado o fazia se sentir melhor. Era um carinho doce e paternal que unia Mário de Alencar a Machado. Penalizado com o sofrimento do jovem, Machado de Assis indicou o seu próprio médico para tratá-lo. Dr. Miguel Couto ouviu atentamente o relato minucioso do jovem. Sabia do profundo interesse de seu ilustre cliente Machado para que o atendesse e curasse. O cliente relatava com minúcias o seu sofrimento. Seria epilepsia, o mesmo mal que atacava o presidente da Academia? Seria imitação? Receitou placebos o santo remédio que ajudava os médicos a tranquilizar seus doentes. Mário de Alencar só sentia conforto quando ia à casa do grande Machado em Cosme Velho. As crises continuavam.
Joaquim Maria Machado de Assis era mulato filho de um ex-escravo liberto e de uma lavadeira descendente de portugueses. Nunca foi a uma escola, A mãe morrera e foi a madrasta que lhe ensinou as primeiras lições. Dotado de uma formidável vontade de estudar aprendeu francês com Madame Gallat dona de uma padaria. Com um padre estudou latim. Foi um autodidata. Conseguiu emprego em repartição pública, estudou, frequentou reuniões do Senado e se tornou assíduo frequentador da conhecida Livraria Garnier no Rio de Janeiro onde fizera amizades com vários escritores. Publicou muitos livros, poesias, contos. Dois grandes passos marcam a vida de Machado, seu emprego em repartição pública e mais tarde o casamento com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais A família da Carolina não concordava com o casamento, por ser um mulato, mas Carolina esteve casada com Machado por 35 anos. Foi a grande companheira e o colocou a par dos escritores ingleses. Carolina como secretária e enfermeira em atendimento às crises de epilepsia sofridas pelo marido. Machado nunca concordou em dizer que era epiléptico. Dizia que tinha ausências e que logo se sentiria melhor. Escreveu obras notáveis apesar da doença. Machado de Assis foi o fundador da Academia Brasileira de Letras como um escritor a nível de Dante, Camões e Shakespeare.
Retirava os fatos que via e sentia na vida real e os repassava para seus livros. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas descreve um defunto narrando suas aventuras em vida. E o morto observa Virgilia a tentar descruzar os seus dedos, com quem tivera aventuras amorosas. Neste momento ele se imagina como um livro em rica encadernação com os detalhes de fechos metálicos como um volume da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Em uma de suas chamadas “ausências” ele escreveu o Delírio que é um debate com a Natureza. Ele, montado em um paquiderme que o levava ao início dos séculos. Típico do seu estilo era aproveitar triângulos amorosos o que o fez retratar em Dom Casmurro, onde a figura da mulher retratada em Capitu, mostra o problema do adultério. Machado coloca tantos argumentos contra Capitu como apresenta ao leitor argumentos que provam que ela não era culpada de adultério.
Outro escritor vítima da epilepsia foi Gustave Flaubert, também filho de um médico. Seu pai acreditava que os tombos do filho eram brincadeiras na imitação de algum palhaço. Flaubert escreveu diversas obras, mas a que marcou sua obra de forma notável é o romance Madame Bovary. Nesse romance a jovem chamada Emma era casada com um médico. Talvez por ser muito simplório não compreendeu o desejo da mulher em querer ser feliz. Ela queria desejava a felicidade, sair daquela vida monótona e conquistar Paris. Queria ter amantes, vestir com sedas e rendas. O próprio Flaubert chora quando a Madame Bovary tem que morrer. O livro foi recebido como imoral e proibido de ser publicado Flaubert foi levado ao Juiz que o interroga severamente por uma obra tão indecente. Chamado a se explicar, proibido de publicar o livro Flaubert exclama: “Madame Bovary cést moi”. É o início do Realismo descrevendo a vida como ela é que deita fora o Romantismo. O Realismo alcança Portugal com as obras Primo Basílio e O Crime de Padre Amaro de Eça de Queiroz. Apesar das ferpas de Machado com Eça é no Brasil que O Realismo se instala com Machado de Assis.
Os três grandes escritores citados , apesar da doença , marcaram novo rumo na literatura.
Bibliografia
Santiago Silviano -Machado