A Solingen e a aroeira
O Érico, cujo nome só bastava como apresentação de menino abastado, era já quase rapazinho, quando, a caminho da escola, e de passagem por sua rua, peguei-o dando com a navalha no marco da porta de entrada de sua casa.
De costas para a rua, ele nem me notou, e não notaria tampouco o Prefeito, que por sinal, e com efeito, era um Professor Morato, que também vivia naquela mesma ladeira de São José, que descendo até o corgo, reapruma de novo, pra virar, agora bem mais íngreme, a ladeira do Vinício.
Como era possível ao Érico fazer uma coisa daquelas, estava estragando a navalha, e a porta, pus-me a pensar, sem contudo, ao menos cogitar de o interpelar. Érico era o filho caçula de um Tininho Bicalho, homem conceituado - e sempre bem barbeado - que morrera prematuramente, vitimado por um mal súbito, deixando uma viúva e muitos filhos dos olhos esverdeados, quase todos já formados, encaminhados, ou encomendados.
Fora funcionário público, ou profissional liberal, oTininho, assim como os seus também muitos irmãos e além do bom trânsito na sociedade, era gente simpática, ainda que enfática.
Foi a uma sua filha, já professora, bonita e sedutora que eu, poucos anos havia, batendo naquela mesma porta que agora o Érico feria, havia vendido um bilhete de loteria escolar. Cheguei a perder a fala quando ela graciosamente me atendeu e um Tamandaré - a nota de um cruzeiro - me estendeu.
Só ali, é que pude observar, o único defeitozinho seu: faltava-lhe a falangeta do indicador direito... Ligando as coisas agora, enquanto subia a ladeira, pus-me a pensar se não teria sido aquela mesma navalha a razão da falangeta falha.
Mas qual o quê, naquele tempo, o Tininho havia de estar vivo e não deixaria a navalha dar sopa, como agora, nas mãos de Érico. E o Érico chegava a ser até mais bonito do que a irmã, guardadas as proporções - e a navalha.
Quando daquele lado da rua voltei a passar, anos passados, aí então para visitar o João, o irmão mais velho, ou menos formoso, mas mais solteiro daquele grupo harmonioso, foi que espiei bem naqueles marcos soberbos, antigos, enquanto passos no assoalho caminhavam na minha direção: estavam incólumes. Na Solingen, a aroeira, dera uma rasteira.